quinta-feira, 30 de julho de 2009

Batman é Proust?




"Batman é Proust" é uma feliz reação a um infeliz (na melhor das hipóteses) comentário do Inácio Araújo. Fazer uma cagada é o melhor meio de perceber que você é um bosta, e, além disso, derrama estrume sobre a terra - ou seja, fertiliza. Este lugar é o mato que nasceu de toda essa merda.



CARTA A INÁCIO ARAÚJO


Em 04 06 2009, A Folha publicou:

Segredos de "Batman" são uma bobagem

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Os fãs de Batman adoram "Batman Begins" (Warner, 23h; não indicado a menores de dez anos) e o outro Batman dirigido por Christopher Nolan. Eles não costumam gostar dos filmes dedicados por Tim Burton ao herói. Eles também odeiam quem não gosta do último "Batman" de Nolan (entre eles, eu).
Teremos de viver com isso, pois nunca me liguei no Batman, desde a tenra infância, quando aquilo era mera diversão e não, como se quer hoje, obra-prima à altura de Proust. Aquela máscara, o segredo todo, desculpem os batmaníacos, me parece uma bobagem. E Gothan City, um lugar nem tão interessante. Servia só para matar o tempo, enfim.
Na minha visão (minoritária, admito), Tim Burton salvou-o ao distorcê-lo. Nolan o recoloca nos trilhos. Aqui, a gênese, a iniciação, com suas infelicidades e aprendizados. E, por fim, a volta a Gothan e o heroísmo unívoco. Neste filme, eu gosto mesmo é de Michael Caine, o mordomo distante, quase cínico. Mas aqui fala a minoria.


Bom, é tanta planície que me dá fadiga... tanto equívoco, tanta estupidez, que não daria pra passar do desprezo - só que, ao fazer mais uma das suas geniais colocações, Inácio, você conseguiu (sem querer) acertar a lança bem no alvo: "aquilo era mera diversão e não, como se quer hoje, obra-prima à altura de Proust."

Em primeiro lugar, é de uma espantosa ignorância que surge a idéia de que os fãs de Nolan e Burton são pessoas diferentes. Nolan e Burton fazem aquilo que se espera de gente que reza pras musas e tem engenho e Arte: ambos têm uma visão própria da coisa que se filma; têm espessura, competência, excelentes concepções daquilo que o Batman encerra, no caso. Essa coerência interna das diferentes partes da produção, da direção de arte, direção, etc é a assinatura do artista. É onde eles vão ser julgados. E, no caso destes diretores, ambos estão enxergando pela mesma lente, em essência. Colocá-los em oposição e ainda por cima lhes atribuir maior ou menor qualidade, nesse caso, é um movimento retórico inútil - na melhor das hipóteses.

Em segundo lugar, aquilo que você quer dizer com "recolocar nos trilhos e portanto torná-lo chato" - um arroto do seu inconsciente que chegou à boca sem fazer muito sentido - é que o Batman do Tim Burton SERIA algo análogo ao Batman da série dos anos 60 (Soc! PoW!), e como o você "nunca se ligou" a nada muito além daquele Batman, lhe parece que Burton endossaria sua visão tão brilhante desse engodo que é a tal "dimensão psicológica" do Morcego. É óbvio que Burton bebe nessa fonte, mas é óbvio também que bebeu no "Asilo Arkham" de Grant Morrison, no Batman de Bob Kane e em inúmeras outras. E sabe o que esses "Batmen" têm em comum? a abissal dimensão psicológica! Pra mostrar a besteira contraditória que você falou, nem precisava ir tão direto ao busílis: só a concepção de Gotham de Burton é o suficiente pra que essa analogia morra, num ponto bem primário, porque a Gotham de Burton É um personagem - no mesmo sentido do que é visto em "Metrópolis" (Osamu Tekuza, 2001), por exemplo - e isso não tem paralelo com a série. E isso é apenas pra colocar UM ponto da discussão, veja bem!

Finalmente, em terceiro lugar, quando a gente se propõe a meter a boca, tem que conhecer a coisa. Tipo, escrever "Gotham" corretamente seria um bom começo.

Mas e o Batman, em busca do tempo perdido? é isso. Quando o Batman e o Coringa terminam a "piada mortal" de Alan Moore, caem máscaras no chão como peles de amendoim. A gruta, o segundo ritual de passagem, todo o percurso "Salário do Medo" que o Morcego faz pra se tornar uma noturna sombra, ágil, moralista, tudo isso faz do Batman o Herói Ocidental, o homem contra os deuses, a tentativa de recolocar os eixos dos Deuses e da Terra em sintonia. É uma pena que o você não veja nada além das câmeras inclinadas e ganchos, porque está ali. E bem nítido e escancarado, inclusive. Só precisa tratar a catarata.

Existe muito mais a se falar sobre os dois Batman, e suas desnecessárias colocações foram catalisadores vigorosos, nesse caso. Algo que não se pode negar após ler isso que você escreveu é que urge aclarar os fatos - pra dizer o mínimo. Nesse sentido, das merdas que você falou podem nascer lindas flores.

Um Abraço,

Marcos Vieira (Shmoo)